Na segunda-feira passada, dia 12/05, realizou-se a terceira audiência regional para divulgação do Plansab, o nosso Plano Nacional de Saneamento Básico. Ele é, em teoria, o segundo plano lançado para “organizar”, numa certa medida, o setor do saneamento aqui no Brasil. Fruto de um demorado processo de reestruturação do setor, iniciado com a Constituição de 1988 e desembocando na promulgação da Lei 11.445 e no Decreto 7.217, ele traz o controle social e a transparência para o centro do saneamento, apontando-os como dois dos principais instrumentos para sua materialização.
Outro ponto central é uma visão mais holística presente no plano: ao considerar o saneamento básico suficientemente abrangente para incluir não apenas o abastecimento de água e o tratamento de esgoto, mas também a questão dos resíduos sólidos domésticos e da drenagem de águas pluviais, abre-se espaço para uma completa reestruturação infraestrutural, capaz de efetivamente trazer dignidade a população.
Entretanto, não são poucas dificuldade que serão enfrentadas pelo Plansab até sua efetiva aplicação. Vou me restringir a uma: os problemas de mentalidade e racionalidade institucional criados pelo seu anterior, o Planasa (Plano Nacional de Saneamento). Com mais de 40 anos, ele carregava alguns vícios problemáticos: não considerar, por exemplo, o saneamento englobando as áreas de água, esgoto, lixo e drenagem, é algo bem problemático. A situação da drenagem é, literalmente, catastrófica aqui no Brasil, por causa disso até pouco tempo atrás não era considerada parte do setor de infraestrutura mais básico: o saneamento.
Porém, o defeito mais grave do Planasa talvez tenha sido o ranço autoritário presente no seu núcleo mais básico. Baseado numa racionalidade tecno-burocrática, que definia o funcionamento do saneamento de forma simples: o Estado, detentor de um corpo técnico qualificado deveria, através de estudos, identificar quais os principais problemas relativos ao saneamento. Findo esse passo, o próximo é analisar detalhadamente o problema, encontrar a solução tecnicamente mais eficiente e, a partir disso, criar planos menores, em nível regional, estadual, municipal e etc. Com as diretrizes definidas através dos planos, bastava acionar o setor responsável e dar a ordem para a burocracia por os planos em prática.
A pergunta que resta é: de que modo a comunidade, lá de Santo Antônio do Salto da Onça ou de Cachoeirinha do Sapo, vai conseguir decidir sobre como ela vai lidar com o seu problema de infraestrutura? Ou melhor, ao assumirmos um discurso que se legitima afirmando sua capacidade técnica, seu domínio de um determinado conhecimento, como pode um cidadão comum, leigo, questionar a realização de um projeto “x” ou “y”? Onde fica a democracia nessa história?
Exatamente: não fica. E essa é uma das razões do caos do setor saneamento: ao criar um aparelho estatal cuja função precípua é enfiar goela abaixo soluções pré-fabricadas com legitimidade política praticamente nula, afora aquela decorrente da autoridade, nada mais se faz além de se constituir uma zona insustentável. Insustentável, porque é ilegítima. Como uma solução de um problema de infraestrutura, que demanda, antes de tudo, um elevado grau de cooperação e vontade política, pode funcionar baseada em autoritarismo? Resultado: com pouca ou nenhuma legitimidade política, sem a participação efetiva da comunidade, o setor de saneamento é incapaz de gerir suas necessidades.
É aí que entra o Plansab, trazendo como dois de seus princípios basilares a transparência e o controle social. Essa injeção de democracia,tem um importante reflexo: mais que abrir uma possibilidade de diálogo, o abre para o futuro. Ao procurar garantir um espaço institucional de diálogo direto com a população, o Estado inicia um processo de sensibilização, de reconhecimento dessa mesma comunidade.
Essa percepção da população como um dimensão trandisciplinar e autônoma, cujas demandas e anseios não podem ser resumidos à questões técnicas, implica numa possibilidade emancipatória ímpar: ao poder influenciar diretamente os rumos de estruturação do nível mais básico de infraestrutura a capacidade de autogestão da comunidade aumenta significativamente.
Porém, por mais que seja um primeiro passo promissor, o Plansab não deixa de apenas sê-lo. Um dos grandes desafios continua sendo o de mudar a mentalidade tecnocrática hoje dominante no setor. A grande diferença é que agora se tem uma promessa concreta, pública e acessível de que essa mudança não só é necessária como é desejável e exigível. O começo está razoavelmente garantido, precisamos assegurar que continue assim.
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Pedro Godeiro